JÚLIA BARBON
GUAYAQUIL, EQUADOR (FOLHAPRESS)
Se não resolver seus problemas sociais, o Equador estará fadado a construir prisões e cemitérios, afirma Luisa González, líder da oposição de esquerda no país, em entrevista à Folha. A nação sul-americana passa por uma nova onda de violência, o que fez o presidente Daniel Noboa declarar “conflito armado interno” termos de uma guerra civil.
González comanda o tradicional partido Revolução Cidadã de Rafael Correa, ex-presidente que geriu o país por uma década de 2007 a 2017. Ela perdeu as eleições para Noboa no segundo turno, em novembro. Agora, apesar de ver um governo “totalmente improvisado”, diz que “se despiu da bandeira política para vestir a bandeira do país” e o apoiou.
A crise estourou depois que, no último domingo (7), as autoridades descobriram que o líder de uma das facções criminosas mais perigosas do país, Adolfo Macías, conhecido como Fito, fugiu da prisão antes de ser transferido. Novas rebeliões em presídios logo se espalharam para as ruas, incluindo a invasão de um canal de TV ao vivo.
González afirma concordar com a classificação de conflito armado, criticada por entidades de direitos humanos. Também diz que confia nas Forças Armadas, mas que o presidente deveria ter “feito uma limpeza” nos “narcogenerais” antes. Ela pontua que a crise vai prejudicar investimentos externos de que o país tanto precisa e, como líder política, conta temer constantemente por seus dois filhos.
Quais motivos levaram aos ataques da última semana?
Não é a primeira vez que ocorrem ataques nas cidades quando existe algum conflito envolvendo os líderes de gangues criminosas. Isso mostra uma improvisação absoluta do governo. Se iam entrar na prisão onde ocorreu a fuga de Fito, deveriam ter tomado o controle das outras cinco prisões onde normalmente ocorrem motins para evitar o que temos hoje, que são funcionários penitenciários feitos reféns. Noboa havia proposto na campanha a militarização de portos e a tomada de controle das prisões, mas não fez isso a tempo.
Depois, sobre os eventos violentos nas ruas, ele emitiu dois decretos, um de exceção e outro em que a polícia sai às ruas com as Forças Armadas para repelir os delinquentes. Nós, o bloco da Revolução Cidadã, que é a maior bancada na Assembleia com 51 [dos 137] deputados, demos apoio a tudo o que ele propôs para pacificar o Equador novamente e trabalhar em conjunto, apesar de não vermos um plano de ação. Vemos um governo totalmente improvisado, não vemos um cronograma de ações. Mas nos despimos da bandeira política para vestir a bandeira do Equador.
Como a senhora avalia o anúncio de Noboa da construção de duas prisões. Está de acordo?
Para controlar a segurança no Estado você tem que trabalhar sobre dois eixos. Primeiro, forças de segurança devidamente equipadas e armadas. Elas foram esquecidas e tiveram seu orçamento reduzido nos últimos anos. Não têm coletes à prova de balas, equipamentos, armamentos, veículos em bom estado.
Por outro lado, é preciso trabalhar em políticas sociais imediatas e paralelas. Devolver nossas crianças às salas de aula, devolver o orçamento às universidades e reativar a economia. Parte da criminalidade e da violência vem da fome, da falta de emprego e de condições dignas de vida no país. Se não melhorar os indicadores sociais, o Equador estará fadado a construir prisões e cemitérios.
O país está, de fato, em um conflito armado interno, como foi declarado por Noboa?
Há grupos criminosos que declararam guerra ao Estado equatoriano. Quando um país tem gangues criminosas que tomam cidades, extorquem cidadãos, obrigam crianças e jovens a fazerem parte dessas gangues, entram num local para matar alguém sem se importar se morrem crianças, mulheres, inocentes, isso é declarar guerra ao Estado equatoriano. E esses grupos criminosos devem ser enfrentados com toda a força.
A decisão de declarar conflito armado interno foi criticada por algumas entidades de direitos humanos, pelo risco de uso excessivo da força. Qual a sua visão?
Sim, há um risco de que pessoas inocentes também possam morrer nesse conflito, que haja desaparecidos ou execuções extrajudiciais. Eu tenho confiança nas Forças Armadas, de que atuem correta e coerentemente. Foi o que sempre fizeram.
Mas eu acredito que, antes de ter declarado o conflito armado, o presidente deveria ter feito uma limpeza nas forças de segurança. O embaixador dos Estados Unidos fez declarações há quase dois anos dizendo que há “narcogenerais” [generais ligados ao narcotráfico], e de fato retiraram o visto de alguns deles. Então, de qualquer medida que o presidente tome os criminosos serão avisados. Há altos comandantes da Polícia Nacional e das Forças Armadas que já estão cooptados pelo crime organizado.
O presidente enviou à Assembleia um projeto de lei para tentar financiar o combate às gangues com aumento de impostos. A Revolução Cidadã o apoiará?
Luisa González -* Nós fomos claros: não apoiaremos o aumento de impostos regressivos como o IVA [Imposto sobre Valor Agregado], que afetam da mesma forma os mais ricos e os mais pobres. Há outras alternativas, entre elas impor um imposto extraordinário aos bancos, que nos anos de crise foram os que mais lucraram, ou às grandes fortunas e à saída de capitais. Só esses três mecanismos já poderiam financiar o combate ao crime.
Aumentar o IVA significa fazer que os mais pobres, a classe média e a classe trabalhadora paguem pela crise, como tem acontecido nos últimos anos no Equador.
A crise de segurança prejudica os investimentos internacionais que o Equador estava buscando para resolver seu estancamento econômico?
Claro, afeta não apenas o investimento estrangeiro, mas também o interno. A crise de segurança chegou ao ponto em que, se você abrir um novo comércio, imediatamente os criminosos vêm e te extorquem com uma quantia mensal ou semanal, o que é chamado de “vacuna” [vacina]. Isso está acontecendo em todo o país, especialmente na costa. Inclusive no turismo. Várias companhias aéreas suspenderam voos na terça-feira, alguns só serão retomados no dia 17. As pessoas vão preferir ir para outro lugar, vendo que o Equador é um dos países mais violentos do mundo, quando antes era o segundo mais seguro da América Latina.
Como o Brasil e outros países podem ajudar o Equador a sair dessa crise?
O crime organizado em nível transnacional não é combatido sozinho, é combatido por meio de alianças estratégicas com outros países. Tanto o Brasil quanto a Colômbia, o México, a União Europeia e os Estados Unidos precisam integrar suas unidades de inteligência para mapear e rastrear onde essas redes de tráfico de drogas estão. E isso também passa por fortalecer as unidades especializadas em lavagem de dinheiro.
Como a crise afetou sua vida pessoal?
Sempre há a preocupação de ser uma figura pública, de ser a presidente do maior partido político do país, e isso poder afetar a sua família. Eu tenho um filho de 29 anos e um de 10, então sempre me preocupo muito. Na terça-feira, quando começou o conflito, eu ligava o tempo todo para o mais velho para saber que horas ele chegaria em casa. Eu estava em uma reunião com o embaixador da China e quando saí vi as ruas caóticas, comecei a ler pelo celular e vi que tudo colapsou. São circunstâncias difíceis, mas não podemos abandonar a luta. Há um país inteiro para ser erguido.
RAIO-X | LUISA GONZÁLEZ, 46
É líder do partido opositor de esquerda no Equador, o Revolução Cidadã; advogada e ex-candidata à Presidência, ela ocupou diversos cargos nas gestões do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), incluindo o de secretária do gabinete da Presidência e ministra do Trabalho e do Turismo.
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