A religião está normalmente associada a um lugar emocional de paz, segurança, conforto e proteção para aqueles que a buscam. Entretanto, os mitos e tabus religiosos seguem colaborando para uma submissão da sexualidade feminina, mantendo muitas mulheres em relações abusivas, reféns de violência moral, financeira, psicológica e sexual. O despreparo que muitas religiões têm para com situações de toxidade também afeta negativamente nessa liberdade feminina.
Eu sei que associar abuso e religião à castração feminina parece absurdo. Sei também que isso depende muito de uma crença para a outra e da cultura na qual essa crença de desenvolveu. Todavia, estudos mostram que existe, sim, um impacto religioso sobre nossa sexualidade, e eu, como psicoterapeuta sexual, percebo como isso repercute diretamente na relação das minhas pacientes com suas culpas, sacrifícios familiares e dificuldades em permitir e vivenciar o próprio prazer.
Desta forma, quando falamos de abuso, religião e sexualidade feminina, não podemos apenas refletir sobre o contexto atual. É preciso olhar para as nossas mães, avós, bisavós e entender como se deram suas relações com elas mesmas, com suas parcerias e com a própria religião, caso a tenha. Entender as circunstâncias da época nos ajuda a compreender melhor quais as possíveis variáveis que se repetem com os anos e que colaboram para essa castração, raiva e angústia que muitas mulheres sentem quando o assunto é sexo.
Para complementar minhas falas, trago um recorte de Ivone Gebara, freira católica, filósofa e teóloga feminista brasileira, sobre como se dá a sucessão geracional dos abusos e das faltas afetivas:
“O agressor repousa… pensa-se vitorioso, deixando a vítima no chão e possivelmente no seu ventre a semente da continuação da humanidade. Humanidade estuprada que guardará as sequelas de violência ao longo de suas gerações sucessivas. Semente violenta em corpo violentado… raiva da humanidade depositada em corpo de mulher. Depois, raiva do ventre prenhe de violência. Raiva da criança que não morreu, resignação com o filho ou a filha que venceu a morte, mas que já nasce marcada por um ódio encoberto de cuidado, de tentativas de esquecimento e de mentirosa bondade. Quantos nasceram do estupro, do não desejo, do não amor, da guerra, do acaso e mesmo do ódio?”
Intenso, né?! Normalizou-se o não prazer feminino, o estupro matrimonial e a ausência do Eu feminino e idealizou-se aquela mulher que se doa completamente à família e se anula quando o prazer do outro está em jogo. “Aguenta firme, minha filha, casamento é assim mesmo” ou ainda “ele deve estar estressado no trabalho, por isso tem te tratado assim, mas pelo menos ele não te bate, poderia ser pior” são frases que nós mulheres já ouvimos provavelmente mais de uma vez.
Momento reflexão
Para você que está lendo isso, como essas frases ressoam no seu corpo? Inclusive, você já parou para pensar que muito provavelmente alguma mulher bem próxima a você já foi estuprada pelo menos uma vez na vida? Inacreditável, né?! Para você que é homem e não entendeu, pois é. Difícil até de acreditar que esse tipo de coisa existe, né?! E para você que é mulher, sinto muito que esteja carregando todo esse fardo, você não é culpada e não está só.
Somos frutos do contexto. Sendo assim, se fomos criadas e educadas por tantas mulheres que foram abusadas e tantos homens que foram abusadores, e vice-versa, pode se imaginar que nós, leitores dessa coluna, carregamos muitas e muitas crenças que adoecem e matam pessoas que amamos.
Sendo assim, falar de sexualidade nas religiões e preparar melhor as pessoas para lidarem com situações de violência é absolutamente relevante para termos um mundo mais justo e com menos dor e sofrimento, afinal, uma mulher bem consigo mesma e feliz com suas próprias conquistas não quer guerra com ninguém, a não ser que esse alguém tire sua liberdade ou cale sua própria voz. Nesse caso, o trem fica feio.
Enfim, respeite e ame sua parceria. Lembrando aqui que amor não dói e nem machuca. Ou seja, quem ama quer bem, e quem quer bem, cuida e se importa com como o outro se sente. Fica a dica, hein!
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